sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Assunto das 21 horas

Novela é um assunto tão interessante de se falar, porque ao mesmo tempo em que tem os enredos mais fora da realidade que alguém consegue escrever, acaba se tornando parte da realidade de seu espectador.
Está no sangue do brasileiro assistir novela, assim como está no sangue de quem vê novela fazer fofoca sobre ela. É quase uma lógica obrigatória. Digo isso, porque quando nos deparamos com um enredo fantasioso onde a vilã é tão má quanto a madrasta da Branca de Neve e a mocinha é tão tonta quanto os filmes dos Três Patetas, nos apegamos aos personagens como se fossem parentes próximos, o que nos dá o direito de falar da vida deles.
Dia desses me peguei perguntando para minha avó: “como foi o casamento da Valdirene?” só faltou eu reclamar que não tinha sido convidada. No casamento anterior da mesma novela ficaram apenas três alunos da minha sala para a aula. Todo o resto foi pra casa ver a noiva morrer – eu fazia parte dos que se grudaram na televisão.
 E por falar em fofoca, assim como falamos sobre a filha da vizinha que casou e não chamou ninguém da rua, ou o vizinho da casa 408 que faz visitas vespertinas à vizinha da frente enquanto os respectivos cônjuges saem para trabalhar, comentamos a novela com a proximidade de tia e prima. Seja isso carência ou falta do que fazer, as novelas entretêm, emocionam e têm péssimos enredos desde os tempos do rádio.

Bom, a crônica está acabando, a novela está para começar e se der tempo eu volto mais tarde para contar o que aconteceu e comentar esse grande fenômeno que é conversar com objetos inanimados acreditando que isso irá mudar o rumo da história. Ok, fim do texto, a novela começou, a mocinha vai beijar o vilão e eu tenho que correr pra sala e gritar com a TV pra impedir. 

sábado, 13 de julho de 2013

Viver a Gravidez

É conversar com a barriga
Sem questionar a própria sanidade,
É um amor sem vaidade
Que não se pode mensurar.
É o período dos desejos intermináveis,
Das culpas perdoáveis
E dos enjoos sem vontade de se matar.

A gravidez é aquele lindo momento,
No qual sem nenhum sofrimento
A mulher engorda o que jamais sonhou.
É ver beleza no corpo inchado,
Dar pulos por um resultado,
Amar uma flor que ainda nem brotou.

Engravidar é ter a plena consciência,
De que em seu ventre está a recompensa
E que seu corpo é um templo, um lar.
São os nove meses mais belos,
Em que brilham os olhos de zelo
E do mais puro e belo amar.


domingo, 16 de junho de 2013

Lembranças do Picadeiro

Quando criança eu adorava ir à praia com meus avós nas férias. Como de costume, eles me levavam no início do mês e meus pais iam na semana das festas de final de ano, ficavam poucos dias e logo iam embora.
Naquele ano mamãe e papai tiraram férias em dezembro e viajamos apenas nós três. Para minha total falta de sorte, o resultado disso foi uma chuva histórica que acabou com todos os meus planos de fazer castelos de areia, brincar no mar e sair para pescar como eu fazia com vovô.
Naquele ano aprendi a jogar baralho, vi televisão até cansar e, com extrema relutância do meu pai apavorado com tudo o que existe no universo, fui ao circo pela primeira vez.
Ao que me recordo, aquele foi um dos últimos, senão o último, ano em que animais estiveram presentes em grandes circos. Naquela época eu não tinha consciência do que aquilo significava, mas não muito tempo antes havia saído uma notícia em vários jornais que um elefante havia pisado em uma criança em um circo mal vigiado no interior. Imagine-se então, o desespero do meu pai quando lhe pedi para visitar as jaulas antes do espetáculo.
Eu estava ansiosa para poder ver todas aquelas criaturas gigantescas que nem em sonho eu imaginava ver tão de perto.
Meu pai com todo o cuidado possível me carregava apavorado e me deixava o mais distante que podia daqueles que ele chamava de monstruosidades. Eu, sem entender muito seu desespero, olhava deslumbrada para o gigantesco elefante, para os macacos que eu achava horrorosos (e ainda acho) e para aquele monte de cachorros coloridos que eu não entendia porque eram azuis e cor-de-rosa enquanto o meu era preto e ponto!
Horas depois começaria o espetáculo. Minha mãe que ficara em casa para se arrumar, foi ao nosso encontro para que entrássemos cedo e escolhêssemos os melhores lugares possíveis. Picadeiro lotado e trupe em cena, meus olhos não fechavam nem para piscar. Eu sorria com os números simples, gargalhava com os palhaços e me impressionava com tudo o que aqueles super-homens e mulheres podiam fazer. Não podia imaginar o quão difícil era a vida de cada um daqueles que levavam o sorriso aos seus espectadores.
Quando o espetáculo chegou ao fim, meus olhos já não tinham mais forças para permanecer abertos e por isso dormi antes mesmo dos agradecimentos. Confesso que até hoje tenho certas dúvidas de coisas das quais me lembro daquele dia. Um dia desses, meu pai relembrou essa data. Não entrou em detalhes o que vivemos, mas o que narrei dormindo aos meus amigos dos sonhos enquanto ele me carregava nos braços.
Dezesseis anos depois dessa data, hoje visitei o circo pela segunda vez. Por mais que a inocência tenha se perdido com o tempo, o brilho de ver os super-homens e mulheres novamente reavivou as cenas daquele dia aos cinco anos de idade. A sensação de presenciar novamente tudo aquilo que encheu meus olhos de alegria por uma noite foi revivida e voltei a ser criança.
O picadeiro iluminado por fora, o frio na barriga dos números mais difíceis, as risadas com os palhaços, as palmas, o orgulho de cada um dos artistas. Dessa vez, como na outra, não pisquei nenhuma vez, mas pude sair contando as histórias do circo acordada, sem precisar esperar até o dia seguinte.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Até que a morte os separe


Badalam os sinos da igreja. Portas se fecham e a marcha nupcial começa. A ansiedade emana por todos os lados, dentro e fora do espaço. As atenções se voltam à porta que agora se abre, revelando a tão esperada surpresa.
Enquanto a noiva se desloca até o altar, emocionada, todos à sua volta despejam opiniões aos cochichos. “Como ela está linda”; “Achei que o vestido fosse de outro jeito”; “Estou com fome, tomara que a comida do Buffet esteja boa!”. A cerimônia prossegue, e, como qualquer evento da atualidade, o propósito é corrompido. As únicas pessoas que, talvez se preocupem com a efetiva importância do evento, são os noivos.
Quando termina a cerimônia e inicia-se a festa, os noivos, agora casados, cumprem sua obrigação de anfitriões e passam as horas seguintes seguindo o protocolo de ficar distantes um do outro, para agradar aos convidados. Hoje é comum até que existam coordenadores de casamentos, para tentar fazer os noivos desafogarem um pouco. Mesmo assim, muitas vezes os benditos terminam por mandar nos noivos, que se afastam mais ainda, até o fim da festa.
“Plim” e assim, a indústria do espetáculo ataca novamente. Tudo se transforma em uma superprodução. Os casamentos simples, as festas com carnes suspeitas, batatas no óleo, docinhos feitos em casa e humildade em sua essência vão embora junto com o amor jurado no altar. Os efeitos holiwoodianos tomam conta e levam consigo o propósito real do casamento.
E nem existe a necessidade de ir tão longe, vinte anos atrás os casamentos tinham gente falando bobagem, comendo e bebendo muito, familiares servindo as mesas, ou mesmo um serviço de “pega na mesa dos salgados e se vira, meu filho”. Mas naquela época havia uma coisa que hoje não existe: Amor.
          Noivos que se amam e que, ao jurarem amor, na saúde e na doença, lembram-se que isso acontecerá um dia. Que precisarão acordar à noite e lembrar de ver se o marido está respirando por causa da apneia, ou lembrar-se que naquela semana do mês a esposa estará com uma TPM que se ele não se cuidar, voará pela janela do apartamento.
Lógico que não dá pra generalizar, ainda há quem se ame, respeite e zele pelo companheiro até que a morte os separe. Mas casamento hoje em dia é feito pra durar pouco mesmo. Talvez seja por isso que toda a produção tenha que ser paga até o dia da festa. Vai que o "para sempre" não chega até o dia seguinte...

sábado, 6 de abril de 2013

Baú de Recordações


     Em meus não tão longos 21 anos de existência, posso dizer que tenho um arquivo com mais memórias do que jamais poderei viver, mesmo que atinja os 500 anos. Histórias do que já vivi, se confundem com breves relatos da vida alheia. Com espiadas por cima do livro enquanto dois amigos conversam no trem, lutando para manter-se em pé.
     O fato de trabalhar com o público, já me fez ter que ampliar meu “Baú de recordações que nunca vivi” ao menos umas cinco vezes. Compartilhar da vida dos outros se torna muito fácil quando nos percebemos como o único ouvido que está aberto. A companhia de que alguém muitas vezes precisa.
     Os idosos com quem converso diariamente, muitas vezes por trás de uma pele enrugada e um jeito carrancudo, escondem segredos de tantos anos, que podem ser a resposta para melhorar o nosso dia. A idade muitas vezes pode maltratar, mas é o único modo de nos fazer gozar das nossas mais raras lembranças e de uma vasta experiência, que garanto, jamais será adquirida, senão com o tempo!
     O mais triste é pensar que tantas vezes, a necessidade da pessoa se abrir a um desconhecido, ocorre justamente por ser a única forma que muitos veem de se transmitir através das gerações: por meio de palavras.
     Certo dia uma senhora começou a me contar sobre todos os objetos que ela guardava em casa: a roupinha de saída de maternidade de cada uma das quatro filhas, seus vestidinhos de batismo, um casaco de lã da adolescência de sua mãe, o jogo de cama da noite de núpcias de sua avó e todas as lembrancinhas de aniversários de seus seis netos. São muitas gerações e recordações juntas, são muitos objetos, são vários baús físicos e emocionais. “É muita tralha junta” (palavras dela).
     Mas toda essa “tralha” afetiva, é o que nos move em direção ao futuro sem nos deixar esquecer do passado. Toda essa bagunça compõe o que somos, de onde viemos e o que almejamos. Espero um dia poder ter um “Baú” recheado de memórias do que fui, do que sou, do que serei e do que jamais vivi, do que apenas escutei numa fila de banco.
     Afinal, sempre escutei que somos o que queremos ser, e, nesse momento eu só quero ser aquela velhinha irritada que quer ser atendida logo pra não perder a reprise de “O Profeta”.